sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

No silêncio


"o silêncio era de dentro para fora. o estado de entrega também. começa com o simples desejo de se entregar. nada é como parece. o estado das coisas jamais será permanente. somos de natureza mutável. tanto eu quanto você. tanto nós como aqueles ali. se isso é ser humano? bem, humano é um estado mais amplo.
muitas vezes não faço idéia do que digo. mas vou dizendo para talvez colocar palavras num silêncio permanente. não há música? depende de quem se propõe a escutar. agora não escuto. prefiro a calma aparente da vírgula. o ponto final não. impõe limite. e não costumo ser dessas, gosto dos meios das histórias.
no fundo não sei bem o que pretendo. na verdade, ninguém nunca sabe o que se pretende com tudo. nós fazemos como antes, vivemos. cada um assim, meio perdido, meio calado. meio mudo. meio do meio.
hoje, depois de alguns dias é que pude parar um pouco. deitar sobre o rio calmo. ouvir minhas poucas sobreposições. suposições. sobre meus feitiços. fiquei assim. deitada a pensar em nada. em tão pouco. porque de qualquer maneira é assim mesmo. um dia, qualquer dia, a gente consegue falar pouco. ouvir muito e amar.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Sobre a mesa


"o que fizemos até ontem? o que deixamos de fazer depois da minha chegada? o que ainda cabe em mim e em ti, que não sobra, não ultrapassa, o que ainda serve? nossas palavras se tornaram mudas? nossos versos deixaram qualquer impressão de passado? o que se passa agora? o que nos faz hoje, depois da minha chegada, diferentes de dois dias atrás? ou dois anos?
o que sei são as coisas inevitáveis que alcanço daqui. e daqui, depois de abrir a porta, colher flores e enfeitar a mesa, vejo que tudo aqui parece completamente de cabeça para baixo. aqui ou sou eu? nada seria como antes, não é?
o chá, as flores, os beijos, a cumplicidade, as palavras todas que nos faziam maiores, tudo isso enferrujou. tudo o que está aqui hoje foi tocado pela severa presença do tempo. a menos que sejamos nós. sempre voláteis a enorme capacidade de mudança repentina. eu não sei.
deixo este bilhete. cheio de perfume. escritos com as mesmas mãos que colheram cedo as flores sobre a mesa da cozinha. a mulher que escreve, bem; talvez seja outra. ou a mesma menina que sonhava com o brilhante final feliz de sempre. depois de amanhã é agora. e sou daquelas que não vive esperando.
um beijo."

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Depois de amanhã


"chego depois de amanhã. minhas malas, meus poemas. minhas meias saudades. chego depois de amanhã para desenhar a porta. achar a solução. chego para fazer e acontece. depois de amanhã. nem um minuto antes. porque ainda preciso ficar aqui mais um pouco. desmanchar as paredes. descolar os papéis. ainda preciso comprar chocolates para a viagem. preciso arrumar os cabelos. fazer as unhas num vermelho furta cor. (dor?). Preciso escrever alguns bilhetes. Preciso deixar a casa arrumada. Vem gente por aí espreitar da janela.
Chego depois de amanhã com todas as sílabas, todos os passos. todos os dedos. todos os músculos. chego pra gente desbravar outros caminhos. pra pintar de verde e azul qualquer desejo ou esperança. chego depois de amanhã cedinho, ainda antes do sol. para que juntos possamos aproveitar o dia, o sorvete, o presnte. porque está na hora de esquecer o passado, deixar de conjugá-lo no presente.
está na hora. está quase na hora.
me espere.
mas antes preciso deixar alguns beijos, alguns abraços, alguns carinhos.
Luíza, não se esqueça de onde deixei teu livro, na terceira estante. o bilhete, bem, depois você acha.
André, não se prenda a despedidas, eu sempre volto. como sempre vou.
Diana, meu coração, teu palco infinito, minha luz, minha cama.
Tom, espere pelo seu dia, hei de chegar e ainda falaremos das palavras que nunca foram ditas; e você, Clarice, aquele abraço de urso, de imensa saudade, de imensa paixão, que não vai. que fica. que permanece. que não esquece. que não possibilita pausa.

Depois de amanhã estarei aí.
Um beijo meu.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Engano


"recebo seu recado hoje. cubro qualquer página de flores e devolvo-te em resposta tão sublime.
não que me faltem palavras. não. é que do lado de cá realmente há um arco-íris e um céu colorido demais para dias cinzentos daí.
não julgo-te isto ou aquilo. apenas declaro minhas preferências. de certo, sou demais escancarada para me cobrir de ressalvas e esperanças. nunca esperei que fostes para mim nada além do que é; um cara.
desses que de vez enquando se esbarra na rua. desses que esquecemos o nome. desses que se perdem porque não deixam marca. acho que no fundo nunca me impressionei com você. sempre fostes aquilo que é; um cara. perdido. sem rumo que finge gostar dessa condição de se deixar leva.
não gosto de você hoje, nem amanhã. nem depois de amanhã que não será sábado. não gosto de você sempre. porque não tenho motivos para gostar. nunca na verdade esperei por nada; era certo que escreveríamos a quatro mãos qualquer coisa que falasse de nós. porém, foi engano achar que poderíamos escrever no mesmo compasso. somos qualquer coisa de opostos, qualquer coisa de engano.
pronto. não gosto de você hoje, nem nunca."

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Fim

"não sou da vodka, da noite, nem das festas. sou daquelas que vê a noite como reflexo de imagens invertidas, de dentro pra fora, de fora para dentro, como num ciclo vicioso e doloroso;as vezes.
nao, eu não sou daquelas dos romances chulos, de algumas noites, de qualquer palavras, gosto dos jogos sinceros, escancarados, abertos. como meu coração que canta na madrugada.
não. eu não posso ser aquela, da qual se esquece depois de um tempo com qualquer outra menina de cabelos laranjados, poucas e confusas palavras. eu, meio zomza com o estrondo da sua chegada, sou daquelas que desejam eternamente. sem aquele papo de que infinito enquanto dure. sou do amor do sempre. sem que este seja maior ou menor; do tamanho exato de mim.
não, eu não sou dessas de sentar em alturas a viajar em espaços estrelares. sou do aqui e do agora. do amanhã. viajar é preciso que seja em línguas, dentes, dores e música. não sei sumir no espaço, dar espaço para aquele silêncio esmagador. sou da fala como o vinho é para o sangue. verborragica;
e não venha me dizer que finais felizes não existem, que amor é coisa de novela, de teatro, de poeta. ser feliz no final é uma opção e não é simplesmente dizer que não liga. é ligar muito,. muito! e eu ligo.
por isso, para mim não é final porque não houve início. não é começo porque zelo por finais com beijos e música. talvez a diferença é que eu seja cinematográfica e você, bem, aqueles poetas que figem tão completamente que deveras sente, aquilo que inventa."

este é o meu fim. e pronto.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Olá meu queridos amigos!!

Finalmente o meu tão querido "Carmen" foi disponibilizado pela editora Clube dos Autores, onde vocês poderão comprar (e ficou barato a edição) e conhecer meu trabalho de uma maniera mais ampla. Carmen é o primeiro livro de uma trilogia, que narra a história de uma mulher que se propõe a uma reflexão sobre o amor e suas consequências.

Espero que me deem esse enorme prazer e alegria!

Megulhem de cabeça, seja como for!

http://www.clubedeautores.com.br/book/38406--Carmen

Um beijo da Mell

http://www.clubedeautores.com.br/book/38406--Carmen


domingo, 6 de fevereiro de 2011

Meio


"depois da transa, o silêncio. depois de tudo que pensei que fosse explodir, apenas aquele silêncio de arrancar das palavras qualquer gemido desnudo. depois foi só isso. não houve depois. depois de amanhã é sábado e nem assim. tudo o que houve depois do início foi que aqui dentro tudo parece mais turvo, mais confuso, mais perigoso.
depois da trama, do drama todo que criamos juntos, partiu-se ao meio o nós e seguimos sozinhos, você e eu como estranhos que dividiram apenas uma transa.
não esperei promessas de amor. não esperei bilhete nem telefonema. mas, por que o silêncio tão cru, como minha pele nua que emprestei para que escrevestes? Por que?
Acho que não haverá qualquer resposta. somos atores, eternos farçantes. dionisíacos e presos a ideologias da paixão. amar é coisa intocável, como sua palavra. suspensa."

Início

Lua minguante. Um cigarro aceso encostado no cinzeiro. no som qualquer grave do jazz a sussurrar como você em meu ouvido 'tire a roupa'. eu, depois da última cena, na coxia, obedeço, cautelosa, com medo de seus instintos que de qualquer modo despertei. Beija-me com aqueles lábios de uma fome urbana, boêmia. queres de mim qualquer carinho que te faça remexer dentro de ti. dou-te sorriso manhoso e no fundo entendo mais do que pensa sua forma agreste de me atacar.
queres me revirar do avesso. esquece que o meu avesso encontra-se consigo mesmo. somos pólvora. agora não lembro.
desfaço de todas as imprudências e revelo-te meu seio e te peço; dorme. para que amanhã nasças outro.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Alguém

"ela dizia não ter nome. dizia não saber amar porque aprendeu a lidar com o coração ainda cedo, quando amou e não viveu. ela disse que preferia a noite que o dia. falava das estrelas sem sonho. sem encantamento. ela dizia que não queria colo. não queria carinhos. que não queria abrigo. morava em qualquer canto de qualquer esquina que fosse-lhe necessária a permanência. ela tinha um olhar que desassossegava qualquer homem ou mulher que nela parasse os olhos por poucos segundos. ela era uma espécie de fetiche, de fantasia, de mulher femme, de beleza agreste que fazia sofrer os outros sem sofrer em si.
de fato nunca ouvi seu nome, por isso, qualquer nome concedia a ela sem que ela mesma percebesse. ela queria se libertar mas se prendia mais. se expunha ao óssio e ao ofício com a mesma precisão dos gestos e sentidos. cabia em versos e em xingamentos. ela dizia se importar com poucas coisas. cigarros, dinheiro e qualquer outra coisa que lhe dava um ar longe de alegria.
depois, sentava para se expôr como numa fotografia até o ponteiro indicar o fim. pegava a bolsa, ajeitava os cabelos e ia-se porta a fora querendo encontrar qualquer outro que deixasse que ela escoasse seus excessos doloridos. "

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Fragmentos de Narah


Começo sem saber por onde nem por que. Sei que dou o pontapé inicial para tentar me safar desse início que mais parece fim. Dou o primeiro passo. Arrisco o escuro. Preencho o vazio do ponto final com uma exclamação. E rio, pois, ainda não disse nada.

Queria que essa história fosse de amor. Mas parece mais um desastre, um acidente. O sol está quente. Parece que no fim do dia vai chover. E esta é a impressão marcante desse pseudo-romance. Um dia bonito com final chuvoso.

Acho que esqueci de me apresentar. Tenho os olhos de um castanho seco. Parece que a dureza dos fatos foram submetidos a doçura deles. Tenho o coração cheio de esperança, ainda que fale do fim. Tenho nos ossos a camada mais grossa de uma poesia que foi se construindo, se misturando aos músculos e ao próprio sangue, antes, durante e depois de tudo. Tenho na palavra o prazer de um verbo hemorrágico. Contamino pelas vias de fato. Tenho um faro apurado para os perfumes doces. Uso qualquer coisa entre pimenta e rosa. Tenho medo de escuro. Não gosto do silêncio. Tenho certo fascínio por espelhos. Acho que nasci narcisista. Tenho a vaidade na ponta dos dedos. Sempre gostei das alturas. Também me sinto atraída pela profundidade. Gosto dos finais, sempre preferindo o meio das histórias. Tenho muito que dizer e tenho tempo. Resolvi ter. Acho que no fundo tudo é uma questão de querer ter.

A outra parte da história ainda é mistério. Vamos juntos percorrer as laterais. Corroer para se chegar ao âmago. Sinto que começo pela moldura. A pintura está além dos olhos. Pressinto que sou mais música que forma. Estou no ar. Sempre tentando abrir o pára-quedas. Em queda livre. Liberdade é andar descalço. Pisar na terra. Liberdade é se deixar ser. Sem qualquer remédio ou controle. Eu acho.

Enfim dou-te aos poucos de mim e dos outros que andam comigo caminho tão cheio de segredos e desertos. Sou feita de uma matéria bruta. Um querer quase involuntário. Descanso entre ser e não-ser. Acho que no fundo sou uma tentativa. Acho que no fundo somos todos, esse acúmulo de quereres e tentativas. Ser é obra pronta. Intacta. E não posso assumir a forma de uma representação única. Sou múltipla.

Ana é o primeiro personagem dessa história. Uma Ana distraída e suspensa. Uma mulher com ares de primavera. Uma flor exótica. Uma Ana de cores quentes e muita febre. Trouxe pães de mel para o primeiro café da manhã. Algumas hortênsias na minha cabeceira. Um beijo nada delicado. Ana foi o princípio e o fim de uma história que anda começando assim, meio torta. Assim como eu. Como você. Como nós. Foi uma paixão a primeira vista. Sambista. Amor de samba-canção. De papo em papo, de bar em bar. De línguas e dentes. De carnes e flores. Ana com suas fábulas. Com suas fomes. Com suas noites urbanas. A própria Ana era uma espécie de fábula. Parecia aquelas que de um livro foram arrancadas.

Estou do lado de fora e Ana é a lembrança. Suas noites inquietas. Sua fala apressada, seu olhar de ânsias. Ana era tudo aquilo que eu amava e detestava simultaneamente. Se é para ela que escrevo? Escrevo para espantar os fantasmas. Ou para não esquecer. Porque assim me encontro com o outro lado do mistério. Vejo o avesso. O reverso. Ou escrevo por pura vaidade. Quem saberá?

Seria fácil endereçar a ti ou a ela. Ambos estão na espreita. Mas prefiro o desafio de escrever para mim mesma. Atravessar a ponte. Ir para o outro lado.

Tudo não passa de uma grande mentira. Escrevo porque quero alcançar qualquer um que deseja. Qualquer um que conheça ou deseja experimentar essas nuances embaralhadas de amor ou desejo. Ah! Esqueço de vez em quando de me lembrar das coisas e acabo de lembrar por acaso do sorriso dela. Sorriso de boemia. Tento escrever uma palavra próxima da verdade. Mas o que há de verdade no que digo aqui? Acho que no fundo do tacho daquele doce mais gostoso é onde mora o perigo mais proeminente. Doçura demais também dói. E Ana, em sua doçura agreste fazia doer um bocado. O que de fato doía? Bem, doía a intensidade com a qual ela se entregava a vida. Doía porque Ana se doava a medida que se perdia. E se perdendo ia se largando de mim de tal modo a não ter mais volta. E isso era o que doía mais. Eu acho.