quarta-feira, 28 de abril de 2010

Do convite

" Venha para o chá,mas, não se demore em me observar. Nos meus olhos existem abismos, que não sei se quero compartilhar.
Venha, acomode-se na poltrona, acenda um cigarro se quiser, mas, não preste atenção em minhas falas, elas estão febrís e obsoletas, talvez porque não sei exatamente o que quero ou preciso dizer.
Demore-se no sabor dessa mistura, sinta o aroma que vem de encontro com meu perfume, mas, por favor, não se arrisque em perfurar a minha pele, feridas ainda abertas lutam pela cicatriz.
Venha tomar este chá comigo. Mas tente manter certa distância. A aproximação pode ser vilenta e não quero machucar um delicado momento como este.
Venha, por favor, para que eu não morra com meus gestos e delírios, mas, antes de apreciar, verifique a temperatura. Quente demais. talvez para um conforto maior.
Beba, delicie, vislumbre. Mas, por favor, tenha calma.
a minha pressa anda atrasada. e não quero que isso mude.

Do descansar



"eu queria descansar minha dor admirando esse mar.
queria poder não sentir por alguns segundos, como parar de respirar num mergulho.
queria o não sentir das coisas, por algum momento que fosse, para talvez, inventar.
eu queria recostar minha fala no teu ombro. deitar no verbo que faria de nós um só. mesmo que neste instante, onde os chinelos sem o pé, procurassem um caminho ou uma presença. que fosse por este instante, eu me demoraria a esquecer da tua chegada. mesmo que brevemente partisse.
queria deixar meus olhos soltos, morrerem na paisagem que se desenha a medida que amo. quieta. queria que eles desvendassem qualquer secreto desejo do meu cansaço. qualquer promessa da minha cegueira provisória.
queria tirar férias de mim, das minhas falas, dos meus papéis, dos meus relógios, e até mesmo do meu sentir, experimentar outras. para que na hora do retorno o prazer venha gemer bem agudo no ouvido atento de quem me espera. saudoso!
eu queria deitar minhas costas sobre esta cadeira larga, despejar o meu sufoco e minha fúria. quem sabe, dormir um sono encantado, para que depois, acordada eu veja tua face nua. qualquer lágrima ou sorriso.
queria que esse descanso viesse logo, a ânsia da espera me faz ainda mais cansada. mas é tempo de esperas, não de chegadas.
esqueceria os chinelos, os livros, os discos, por qualquer segundo que fosse, para me demorar na imensa sequidão do nada. do oco. do vazio.
porque quando voltasse estaria renovada. ou viva!

Fragmento de um discurso amoroso II



"...Estou tentando ser razoável. Apesar de não ter certeza se no amor somos capazes de medir. Sim. Eu disse no amor. E por que não seria? Nesta hora não podemos julgar. Uso apenas a distração. E estar distraída é amar com enorme surpresa.
O amor passou por aqui. Deixou vestígios nos fatos. Impregnou na roupa e nos cabelos, nas páginas, nos olhos. Calou a lucidez da interpretação. “- Será que em algum momento fui clara?” e de alguma forma se alastra por suas telas e tintas.
Você pode ouvi-lo? Você pode reconhecê-lo vasculhando suas coisas? Ainda que resguardado pela cólera, pode senti-lo? Espero que não guarde um trunfo na manga. Lembre-se que estou apenas me confessando, estou livre do julgamento. Nem empreste juízo a minha fala. Estou louca.
Ouço o amor dizer seu nome. Vejo que ele descortina a bondade e desajeitado ele ocupa os espaços das coisas vazias. Provo do seu veneno. Arrisco-me. Como sempre fiz, estando ou não ao seu lado. E de novo me assombro. O amor comeu minha sanidade, ensinou-me a tranqüilidade de seus gestos e convidou-me a cometer um assassinato.
Não sacuda a cabeça, desaprovando ou embaralhado, lembre-se que lido agora apenas com a invenção. Neste caso é simples, preciso apenas cortar o cordão umbilical. Ou os pulsos. Isso depende da lente que se olha agora.
Vejo que o amor com sua fome invade teus olhos também, sinto que comunga da mesma sensação. O gosto de morangos na boca, talvez algumas borboletas no estômago e as mãos trêmulas. Encaro tua face desfigurada. Seus olhos não mentem. Minhas mãos despencam a ribanceira da maldade. Meus olhos choram e a lágrima, fogo, lava ou queima. Talvez a dualidade seja o caminho menos doloroso e salto!


***


Os sinais eram claros, poros em erupção, a língua amassada, os dentes afiados propondo o acidente. Assim me senti diante da ameaça do amor. E mesmo assim me arrisquei, me propus ao vôo, quis conhecer a profundeza. Não sei se de lá voltei outra. Sei que troquei a lente. Mas entendo que não só no amor, acho que o único estágio que é absoluto é o da mudança. Estamos sempre precisando trocar a lente, estamos sempre em mudança contínua. Assim me rendo, ponho-me a disposição do precipício e me atiro.
Vejo no amor pessoas mutiladas. Auto-flagelação. Talvez certa demência necessária. Portanto uma grande distorção na lente. Ou do olhar. Precisão esta que não conheço hoje depois de ter tido o amor como visita. Há certo deslocar das coisas. Ele é uma visita que ocupa e dilata os espaços, causa violência surda.
Aqui, ainda da janela, vejo-te na organização caótica que se instalou depois da visita. Papéis espalhados pelo carpete. Cigarros apagados com força em cinzeiros de barro. Os discos revirados sobre o sofá que agora pouco estava intacto. As telas que frias parecem tremer pelo estágio de queimadura. Vejo você num canto, tentando acender o centésimo cigarro, rabiscando nas paredes traços que apenas ocupam ainda mais o espaço. Será assim o dia da tua morte? É necessário morrer para que o amor se instale?
“- O que você ainda pode ver?”
- Vejo nós dois. Mutilados."

Fragmento de um discurso amoroso I



"...Não se preocupe se tudo que te digo for quase incompreensível, sentir ultrapassa entendimento. É por isso que mais uma vez digo; interpretar é inventar segundo minha vontade. Portanto escolho minha verdade.
Nossos fatos não passam de invenções. Precisamos interpretá-los para que possam existir. Assim como faço. Lanço a minha luz sobre tua fala e eis que ela vive. Não dou à mínima para suas mulheres nuas. Tenho a minha nudez escancarada. Por isso aprendi a lição inexistente daquela noite. Porque dei voz às mudas coisas que você não percebia. Porque dentre elas fui a única a acreditar na alma das ações daquele momento.
Sobre mim tu despejavas seu egoísmo, eu em ti era só fúria. Egos dilatados, absolutamente excitados e no fim um orgasmo libertador. Depois de você não pude fazer amor sem chegar ao extremo do sentir. E neste momento o mais impressionante é que não sentimos nada. Apenas a ausência de qualquer sensação e isso também deve esbarrar na morte, de qualquer forma, de qualquer jeito, porque por algum motivo o sexo é estar à beira da morte. É uma entrega desmedida, como morrer.
Vejo seu cigarro queimando. Não sei se você está lendo o jornal. Ouço a música suave que grita no silêncio da sua sala. “- Por que o silêncio é tão mortal para você?” “- Ocupa teu silêncio com tua existência!” Ordem. Misturo o caos com a ordem. Não sei qual de nós é mais invisível agora. Não te alcanço somente me aproprio das suas coisas, que voltam por qualquer motivo a existir para mim. Alguns discos empilhados em ordem alfabética. Alguns pincéis novos ainda embrulhados, guardados na última gaveta da escrivaninha. Alguns cigarros metodicamente dispostos à mão. O cesto com os jornais, o jornal do dia. A xícara vazia. O cheiro do verniz que vem lá do segundo andar. As telas frias. As cortinas cerradas. O frio costumeiro do ateliê. Suas mulheres resmungando qualquer barulho. Assombro-me!
- Por que estou a observar-te como se por trás de uma janela?
Não temos mais idade para segredos, então me abro!
Olho para o estalar das coisas e ainda me impressiono. Questiono de fato a existência delas o tempo todo e quanto mais me aproximo da natureza das coisas mais entendo que nosso desejo de construí-las extrapola as medidas do humano."

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Da ponte

No som "Chega de Saudade"
e um insenso de Uva (para acalmar)
...
eu vim para contar sobre a leveza dos passos. para me perder nessa longa ponte.
vim falar de uma certa liberdade inventada. aquela que você me ensinou que existe.
vim falar da cor dos seus olhos que me esperam sempre no final desta ponte.
no final de uma manhã tão inebriante como esta.
vim falar de como caminhar contigo, eterno fascínio, me enfeita os cabelos e os dias.
vim falar da vontade de andar contigo do meu lado, das nossas mãos sempre cruzadas uma na outra, numa complicidade a ser vista de longe.
também vim falar da vontade de atravessar essa ponte de olhos fechados, porque meu corpo conhece o exato caminho que leva até sua cama. até seus carinhos.
mas não posso, tenho que ter calma. preciso alongar os passos, para que de saudade eu te torture um pouco.
eu vim para soprar no teu ouvido canção mais secreta que me inunda de alegria. e acender aquele cigarro depois da nossa deliciosa transa, banhada de pecados e promessas que fazemos e cumprimos tão bem. em tão longos anos.
eu vou por esta ponte. ela me ensina domar a saudade de ti. inventa-me paisagens para que por elas me perca, antes de deitar nos teus braços, e me esquecer de tudo.
vamos caminhar juntos por um instante. traçar o mesmo caminho. pés e corações afinados, no mesmo rítimo.em singela sincronia.
vamos juntos para que você experimente as sensações de quando sozinha vou por ela ao teu encontro.
vim por esta ponte. e tu no final dela vens de encontro comigo!

Martha Manga***

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Do Gozo


Nos teus braços,sinto a fúria das bestas agrestes.Nos teus beijos,a útopica ilusão de um paraíso desconexo.Nos teus dedos,a secreta tirania de um toque.Nos teus passos,magnetismo misterioso da dúvida.Será calorcausa ambígua do gozo?Será dorcausa, efeito do gozo?Será amorcausa estranguladora do gozo?NAs tuas mãospólvora do tempovestígios de um crime solúvel,Nos teus olhosa dor da podridão da sua carnea predizer a desgraçado teu corpo.Será violênciacausa principal do gozo?Será carênciacausa final do gozo?Será paixãocausa determinante do gozo?A línguacarregada de ódio- lógica medonha da decepção?-A bocapesada de beijos de chumbo-lógica profana da vida?-Os dentes-lógica selvagem do sexo?-Será entãoódiocausa viscosa do gozo?Será entãohorrorcausa do ócio do gozo?Será entãodesejo causa evidente do gozo?Mas entãoo que enfeitiçasenãotuas mãos?teus dedos?tua língua?teus beijos?Senãotoda a sujeiradebaixo da fala?toda a negra paixãobastarda?Há em titudo de mais cinzamais frio,mais doloroso,mais duro.Será tênue a linha do gozo?Será escarneo a opção do gozo?Será tácita a decisão do gozo?Ah! Mórbida paixão nos cercadentro da noitejuras de gozo profundo,dentro da noitevenenosa esperança do dilúvio...Ah! Móbida paixão nos cercadentro de nossas carnesdesarrumação dos sentidos:Gozo!

Nosso Jeito


A textura dos teus dedos a procura-me
No escuro sou
,Objeto de desejo, tentações.
Tua fala, sussurros duros a despir-me.
No vão da madrugada
Perdidas intenções nos lençóis.
Falas imperfeitas, bocas a sugar;
Medo som e fúria
Na perfeita sincronia, balanço.
Põem em mim objetos da sua loucura
Coloco em ti todas as provas que me excitam.
No escuro
As velas deflagram corpos,
Deitados no chão, à deriva;
A ver estrelas flutuarem num céu escuro
De um azul tão escuro que assusta,
Seria nossa entrega a razão do medo?
Tua boca tortura meus espaços,
Eu defendo dos teus golpes
Atacando.
Nego teus pedidos
Faço outros
Tu sem pudor
Cumpre.
Assim nosso jogo
Começa, acaba
Tantas vezes que não sei
Quem cansa, descansa, implora!
Sei apenas que continuamos
E que nosso desejo
Ultrapassa razão. Tempo.

Céu da boca

Nos dias me perco, violenta, desesperada. Esqueço-me das coisas vivas, porque em mim a certa ausência de luz. Perco-me então no vão dos dias. Horas de caos invadem o meu nada tornando-o exposto. Tal como ferida de gilete ou arranhões no joelho.Esses dias que parecem maiores que a noite, são cárcere. Retém sentimentos que em mim extrapolam. Eles se escondem no porão da memória como se fossem lembranças e não fatos. E nesses dias é como se palavra alguma fosse dita, sentida. O grito se torna inaudível. As falas, instrumentos dos meus tormentos parecem apenas àquela velha canção de ninar.Não entendo como sobrevivem os outros ao dia. Talvez seja a falta de tempo que não os deixa perceber como é esgotante viver sobre a luz de um sol primaveril. Causa-me febre incidentes diurnos. Tenho a noite como mãe, seio, esteio, ventre. Tropicais tuas tramas do meu enlouquecimento. E como nesse momento sou excessos noturnos. Como transbordo. Como dilato. Esparramo. Entrego.Mas sob a luz do dia só posso me lembrar do céu da tua boca, que voraz engolia minha língua suja de uma palavra úmida, naquela esquina longe, onde minhas meias listradas subiam no seu all star roxo que me dizia tanto...a perder de vista. Só isso é que me lembro; o silêncio evocando palavras e minha língua cheia de pecado sendo engolida.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Mudez

Roubas minha fala cantada. Minha palavra encantada. O meu silêncio de qualquer paz exacerbada. Roubas meus olhos causando cegueira eterna... Entre retinas e visões, amores, ardores, paixões.Roubas gemidos que minha língua estala. Queres mordida. Fala desmedida que roubas som, sem escrúpulo. Roubaste. Sem que eu tivesse controle. Meu corpo exercício da tua reflexão, já responde estímulos, palavras que me tiraste quando cega entraste por aquela porta.Roubas meu estado de graça. Ensina-me o vôo da tua liberdade azul. Logo eu, tão atrelada às vírgulas, explicações, hoje, hoje estou muda. Imersa no silencio dos fatos consumados. Roubas assim meu desejo, minha lucidez, minha pele, minha escuridão. E até minha morte você rouba.Roubas verso por verso, meu reverso. Atrela a minha queda ao teu estado cego... Roubas então minha vontade e eu me entrego. Deixo-me ser roubada para recuperar no teu ventre tão veraneio, todas as sílabas do meu desejo. Me deleito. Delicio-me. Gosto do estado mudo. O sentir por dentro. Remoendo, repuxando. Improvável ação para quem é da fala, do grito. Do gemido. Para quem é do assombro a fala manda e desmanda. Te atropelo. Tu me assaltas.Roubas então também meu silêncio. Aquilo que eu pensava ser apenas meu. Rouba o segredo, a fórmula mágica. Mete-se em mim em recantos que só eu sei o caminho da volta. Você, atrevida, vai... Trilha estradas que são regidas por minha fala sensorial. Muitas vozes, agora emudecidas. Porque tu roubaste não só o som, mas a palavra em sua forma mais bruta. Mais cruel. Dentro da flor do meu querer.Atentas então para o que te imploro gozando de uma loucura, de um tesão, de um roçar das peles. Atentas para o arranhão que talvez seja cicatriz da noite anterior. Atentas para o ruído sensorial do corpo que você implica forma. Pois não há mais ruído, apenas existência.Em sua severidade absurda, roubaste não só o dom da fala. Mas também as falas das noites tropicais. Essas secretas, solfejadas, e desejadas falas que tu tomaste apenas para ti. Mais nada. Despertou em mim depois daqueles todos os gemidos, certo silêncio e fúria.Então na tua cegueira mora demasiadamente a minha mudez. Parada. Estática a um estado de espírito. O mesmo. Igual em desejo e medo. Igual em entrega e labirintos.Atentamos então para os recados da pele, suas memórias, sinais que emitem fogo. Atentamos então para o ruído que nos impulsiona. Que nos torna livres e cada vez mais presas. Ele é multicolorido, e a-z-u-l.

Do morango e da vodka


Estou bêbada. Completamente bêbada. Esqueci até mesmo de tirar os sapados depois que cheguei em casa. Esqueci-me na cama. Deixei-me nas águas quentes daquele chuveiro morno no banheiro de ladrilhos coloridos. Me deixei apenas por um instante na esquina. Esqueci que já era alta madrugada quando tomei o último gole. Esqueci que não podia esquecer que aquela era minha derradeira chance de parecer real. De fato, de me tornar real, mas, deixei de lado a sobriedade, deixei de lado todos os recalques que ainda fazem de mim presa, atrelada a uma loucura que poucos compreendem. Hoje, nesta noite só de estrelas cadentes, estou bêbada de uma paixão que pulsa e repulsa dentro de mim, de uma paixão que não tem medidas, que não é precisa que apenas existe.E estando assim, cores, formas e cheiros me fazem maior que apenas a dimensão do meu corpo. Fazem-me grande, inevitavelmente ocupando espaços que não sei se posso pertencer, e estando assim, dilatada, diluída, estou em lugares desconhecidos, desconexos, que me enchem de medo, mas que também me excitam. Podendo invadir ainda mais espaços, agora falo de espaços reais, a sinuosa curvatura do seu pescoço, por exemplo, me faz deixar aquela lucidez ainda mais divertidamente louca, onde derramo minha súplica, onde imploro por um sussurro um pouco mais alto, onde bem de leve deslizo sobre a ossatura de seus ombros e ali me deixo, demoradamente sem escrúpulos.Hoje estou bêbada. Entorpecida pelo cheiro do morango que derrete no fundo da boca, desesperada por mais um pouco de sabor, alço vôo quase que definitivo para dentro de um estado de graça, que celebramos toda vez que em mim tocas.Hoje estou como quem sempre está, desperta para as coisas que só em mim vivem reais, como se levantasse de um pesadelo no meio da noite, como quem acabou de perder o último trem. Estado definitivo, primeiro e único, impreciso e provável, previsível.Hoje estou embevecida de um porre de realidades paralelas, e veja, daqui onde estou posso apenas tocar todas as palavras que escrevo, senti-las seria pedir um pouco demais.

Para você, depois da chuva

Não me molho de amor. Há em mim um breve despertar das coisas. Não há flores no meu jardim. Existem pedras. Pedras coloridas e sapatos. Os pés estão descalços para caminhar longe dentro da liberdade. Mas não me molho de amor. Desse amor bastardo que forjas sem que eu entenda o motivo. Não posso. Não devo. Mas quero. Aquele querer violento de violar as regras, os passos, o destino. Ainda sim, não me molho de amor. São de sal minhas lágrimas inférteis. Brotam rancor, erva daninha, qualquer maldição infernal nos meus dias.Então não me peça para derramar águas puras no teu amor, naquele amor que me oferece nua. Em mim o amor é sólido, palavras mastigadas. Não adianta a exuberante fadiga dos cheiros. Sou tato. A tatear pedaços de vírgulas que cabem em ti e em mim, perto ou ao longe. Não importa. Só não me peça que te traga aquela chuva. Afogaria a minha dor antes que fosse tarde e a lama sujaria minhas palavras. Que tanto sou. Que tanto ocupa espaço.Flores não nascem no meu jardim. Nunca foram rosas abrindo pétalas, meus amores. Espinhos e sombras. Como aquela noite escura da tua chegada. Então, não me peça para molhar nem mesmo os pés de amor. Sou feita de barro. Desmancho. Desato. Morro.Não me molho de amor, apesar de me entregar assim, imunda, seca, rompendo desertos de desérticas almas. E assim tu me aceitas. Porque senão não colheria minhas palavras ainda verdes e os sentimentos maduros demais. Mesmo assim, quando estou do avesso, rolando dentro dessa imensa margem que sou, tu estende os braços numa ânsia, numa fome, numa sede de palavras, que me revigora, me envaidece.Então não me peça para que eu me molhe de amor. Prefiro que me beba.

Do corpo


As horas passam. Meu corpo apodrece. Horas de caos me consomem. Os olhos tentam recuperar o brilho. Mas meu corpo continua apodrecendo. As horas silenciam o medo. Meu grito sai como pedido de desculpas. Não sei se existe algo a se desculpar. Mas mesmo assim, peço.Meu corpo apodrece. E eu não tenho tempo. É como se escapasse de mim qualquer chance de sobrevivência. Ainda sim, respiro. Luto. Guerras são como dançar à dois. Perco-me nos passos cadenciados. Doce baile da morte.As horas passam. Meu corpo encontra equilíbrio onde em espasmos soltas delírio. Perco-me na tua intensidade. Tu me completas de nada. Eu te alucino. Trocamos gozo e não sabemos exatamente porque gozamos. Estás perdido em mim. Eu encontro severas punições para seu prazer.Meu corpo apodrece. As horas calam tua ausência. Suspiros convertem nosso desejo. Ainda que desejar seja um exercício perigoso demais para nós.Meu corpo acaba a decompor seus motivos, seu abandono é compreensível. As horas continuam passando para mim. O teu silêncio é um breve descansar para mim. Preciso dos teus espaços. Preciso do seu contágio. Mas você não sabe se quer se contaminar. Enquanto isso navego nas horas do meu vazio. Do meu precipício. Espero pelo dia que meu corpo pare. Espero que as suas marcas em mim sejam apagadas a qualquer custo. Espero que nosso encontro seja breve, mas não tenho medo da espera.As horas passam. Meu corpo, apaixonado, apodrece. E tu não sabes onde quer chegar com tudo isso. As horas continuam passando... E você não compreende que é preciso escolher. Que é preciso se decidir. Que é urgente que tenha coragem.Meu corpo apodrece. Preciso calar tuas palavras em mim. Preciso cometer um crime. Preciso me livrar dessa passionalidade que vivemos. Preciso esquecer que somos dois, para só depois deixar meu corpo deveras perder no seu. Mas não sei se consigo desassociar você de mim. Não sei se consigo desprender do significado que é ser nós dois. Preciso. Mas não sei se quero. Não sei se posso. Não sei se me é decente. Sei que as horas passam. Sei do trepidar das coisas em mim. Sei do que preciso para sustentar meu nada. Meu vazio.As horas passam. E meu corpo, apaixonado, apodrece.Nós não sabemos de mais nada. Eu e você. Se é que podemos nos dividir em dois. Não sei se cabem dois de nós no mundo. Somos loucos. Incrivelmente loucos. Por isso precisamos comungar de um. Beber o mesmo néctar. O mesmo veneno. Engolir as mesmas palavras. Mastigar o mesmo amor. O mesmo ódio.As horas passam. E meu corpo apodrece. Completamente atrelado a paixão que tu me causa. Apodrece também por isso. Por aquilo. Por tudo.

Palavras que sou

Palavras me dão forma. Corpo. Decência. Me vestem com aquela nudez mais bonita. Mais erótica. Palavras são a minha noite escura, meu advento, meu refúgio. Palavras são minha forma mais verdadeira de ser. Elas definem meus estados, obrigam-me as confissões. Me dão de comer. Me dão aquilo de que necessito. Alimentam minha dor, destroem minha culpa.Palavras são partes do meu corpo, da minha alma colorida. Falam das nebulosas impressões da vida, expressam amores que carrego. Dão de comer meu delírio. A minha febre. Assim, mais uma vez, palavras sou. Corpo, alma, desejos e redenções. Atrelo a elas todas as chances de vida,de sobrevivência, pois a morte já é. Nada podemos senão aceitá-la. As palavras não, procuram espaços. Definem e contornam sentimentalidades. Assim, atrelar à vida a palavra é apenas um exercício de observação. De concordância. Nada de fantástico. Apenas, constatações.Palavras dão forma a minha nudez. Aquela nudez parada. Do estágio inicial. Humana. Palavras vestem meu silêncio, meu medo, colocam as vírgulas no lugar certo. Atentam-se para os pontos finais. Desdobram deslocamentos de parágrafos, para mais tarde recuperá-los vivos. Por isso sou palavra. Porque posso escrever contando minhas asperezas e doçuras. Porque posso assinar no final, sabendo ser poeta da minha própria existência.Palavras denominam, denunciam, dilatam. Inflamam, iludem... Renascem. Palavras são meu jeito mais simples de ser. Ser neste imenso rio-mar que transborda. Que me enche de delírio. Que me faz Livre!

sábado, 17 de abril de 2010

Do que ainda precisamos

No som "Todo amor que houver nessa vida"
e um incenso de Alecrim

e dos nossos pés há de brotar caminhos seguros para que possamos seguir juntos.

e de nossas mãos há de semear ventos, que sejam de tempestades a colheita para que juntos aprendamos a plantar.

e de nossos braços há de minar sempre esperança para que possamos juntos carregar o novo passo a seguir.

e de nossas bocas, miúdas palavras há de jorrar para que sejam de breves e eternos anos nosso tão desejado futuro.

e de nossas peles, suor que há de sair, para que de desejo morramos sempre. Ainda que mortos de fome. Porque de desejo é preciso viver.

e que nossas salivas há de plantar sementes de verdade cativa para que de carícias nosso coração viva, sempre.

e de nossos beijos que nasça flor mais bonita que existe, para que nem de longe as lutas nos impeça de querer vencer. porque de amor é preciso viver.

e nossos abraços há de vivificar a certeza, para que possamos em longos e dourados anos, querer ainda mais um ao outro, fonte inesgotável de sonho. porque de amor e de sonho é preciso que vivam.

e que de nossos olhos, seus de um verde-azul tão mar e meus, secos como as folhas de um outono perfumado, há de sempre crescer o eterno, para que de amor vivamos, porque de amor é preciso viver.sempre.

Completamente apaixonada por você,

eu te amo!

Ela

No som "Blues da Piedade"
e um incenso de Sândalo (pra tentar não ser careta, nem covarde!)

...

ela tinha nos olhos a tristeza das almas mais pesadas.

ela tinha na mãos a paixão mais dolorosa e a mais sangrenta.

ela tinha nos dedos e na garganta cortes profundos, enxergava-se quase alma.

ela tinha no lugar do coração um rio, tão doce quanto os versos que esquecia pela metade.

tinha no caminho pedaços de panos e bandeiras que nunca deixou de levantar, mesmo que em vão.

tinha a esperança tatuada em qualquer lugar escondido, que sempre encontrava, no momento certo, mesmo parecendo tarde.

ela tinha mimos e afagos, como lembranças das mini-certezas que carregava no peito, mas temia estar sempre enganada.

tinha muitas palavras, talvez para povoar a imensa solidão que sentia. Ou para extrapolar qualquer medo que ousasse ser maior que o desejo. isso jamais saberíamos.

ela tinha muita fome. pouca coragem. algumas migalhas. desejava o deserto com flores liláses. e uma certa inquietude a desmanchar os arranjos mais perfeitos.

manchava a página de uma lágrima escura. os resquícios míninos da maquiagem bem cuidada. nos guardanapos deixava apenas a sombra do batom sempre vermelho a rabiscar os lábios.

tinha muito medo, ou nenhum, porque não se sabe como é temer o nada. o vazio irreparável. ainda que de flores silvestres povoasse sua palavra cantada, sofria do eterno não-saber-o quê.

por isso tinha os olhos tristes. por jamais poder de verdade conhecer sua dor. por jamais poder nomeá-la.

por isso precisava do verbo. para experimentá-lo. para que de qualquer coisa soasse a tão selvagem batida.mas qual seria mesmo a melodia?

ela tinha pequenos sorrisos. e uma felicidade a tatear com as pálpebras. fechar os olhos era um exercício doloroso. quase insuportável. era preciso que vigiasse a vida. para que não morresse sem aviso prévio.

ela era feita das urgências. e do amor.

Da falta


No som qualquer coisa que dói o coração
e um incenso de Pimenta.
"Tem dias que minha alma canta a solidão que você me deixou ao pegar o trem pela manhã.
Nesses dias, feridos de quase morte súbita, acolho-me num abraço de joelhos para que menor eu fique e a saudade doa menos.
Tento me perder na lembrança dos teus olhos de um verde-azul que me enfeitiça desde sempre, mas a palavra que pousa nesta trépida lembrança ainda é mais suja, desejo.
Nestes dias, onde meu coração parece ainda não bater, congelo o instante do adeus, para de um beijo ainda sinta o gosto. Sua boca, tão severa a morder-me dias atrás, guarda agora o pecado da falta que mesmo não querendo você cometeu.
Neste dia, que te procuro pelos cantos da casa, pelos lençóis floridos que perfumam nossas noites de suor e amor, neste dia, meu amor, deito-me com o pesar de quem parece só. Bebo da palavra sem vida, escuto o verso mais dolorido e a canção mais desarmônica. Porque somente a tua presença enfeita os meus dias, porque somente teus olhos de paz, dão-me coragem para seguir. Então, ajoelho-me num abraço para que de dor, doa menos. Então, recolho-me no silêncio da fotografia que tiramos naquele dia tão feliz, para que de amor, morra menos.
Resmungo a tua falta. Dóe-me as mãos a tatear no escuro o vazio que teu corpo deixou. Maldigo da tua ausência. Porque tenho febre de amor. Praguejo contra tua falta, porque de mim roubou a vida.
...
Mas em breve situar do tempo, apanho o ponteiro do relógio barulhento da sala e respiro, de leve vai passando a fúria, respiro. Já na esquina escuto seus passos mudos.
E de tua falta não morro. Vivo!
"...tem dias que a única coisa que realmente eu gostaria era de tomar um café para ver se engulo todo ódio que sinto..."

Da ternura

No som qualquer coisa que acalma
e um incenso de Flores do Campo (para enfeitar)

"Ela dançava como quem escutava suas vozes interiores. Parecia não ter medo do mundo nem da maldade. Ela simplesmente dançava, como quem entende o coração pulsante daquele instante mágico.

Ela tinha verdade nos olhos e sua pele suava todo o sentimento que não cabia do lado de dentro. Estava enfestada de anjos, ria dos demônios do seu espírito, porque alí, estava em estado de pura graça.

Conhecia sua fome, tinha sede de pequenos delitos. Seus delírios misturavam ao balanço suave dos seus longos cabelos pretos. Amava com o amor puro. Desejava com ofuscantes raios vermelhos nos olhos. Nas mãos tinha a coragem de guiar e nos pés a febre mais que humana de caminhar.De sempre ir seguindo.

Ela dançava a felicidade. Exaltava com o coração puro as belezas do mundo. Chorava por vezes de certa alegria mansa. Ria de si. Embrulhava os outros como presentes. Carrevaga-os consigo como patuás de sorte. Vivia intensamente o momento, para que de saudade morresse depois.

Ela tinha nos olhos qualquer brilho de menina, sendo uma mulher inteira. Feita a mão. Em todas as curvas. Pedia em versos mudos que apenas não a julgassem, porque ela apenas vivia. E não existe critério para julgar a vida. Ela fazia desenhos no ar, qualquer pedido como a propagação da paz e do amor. Exaltava a lua e se sentia filha da mãe natureza, que a concebia todos os dias.

Ela tinha todas as cores. Vestia-se de ideais e não se intimidava em travar todas as lutas por eles. Era firme e mesmo assim parecia, assim de longe, uma flor da manhã, desabrochando enfeitada com orvalho da madrugada. Conhecia o mistério que rondava todos os corações. Floreava histórias que lhe pareciam tristes, para dar certa leveza ao mundo.

Ela dançava com o mundo, ao som de um coração cheio de esperança. E eterna ternura.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Dos empréstimos


No som "Um dia, um adeus"
e um incenso de Uva.


" Te emprestei as cores. As rudimentares. Como a minha fala. Te emprestei a palavra, para que dela forjasse o sentimento bruto, ainda a pedra que pulsa.

Te emprestei o verbo de ação. Concomitante com meu passo sujo. Te emprestei a liberdade de criar para que dela abusasse o destino e a sorte.

Te emprestei os papéis, para que neles desenhasse não só as sombras, mas os rios de risos que por vezes nos envolvia um sábado. Te emprestei a verdade para que dela omitisse metades. Diante disso tu tão solene e evaziva, devolveu-me em sonhos e recados.

Te emprestei a coragem, a falta da vergonha, a imprecisão dos dias e o tempo, para que disso tudo você apenas colorisse o instante do adeus. Para que enfeitasse a saudade e me envolvesse em ondas tão coloridas como o arco-íris.

Te dei a matéria prima para que transformasse em amor. Para que dela ousasse o beijo ou a fala. Transformou-me em figuras muito abstratas. Devolveu-me forma sem que delas eu realmente pudesse fazer-me. Te dei a bruta flor do querer para que dilapidasse na melhor síntise que te caberia. Te ensinei como me amar. E hoje entendo como te amar me faz tão viva. Tão pulsante. Tão bonita!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Do que te ofereço

Sou feita de extremos. Não me conheço diferente desse enorme constrangimento. Eterno acidente do qual não só eu nasci. Nós todos. Alguns menos afetados e comprometidos. Mas todos sobre a mesma condição de acidentados.

Sou inteira porque fui refazendo metades. Sou então metades inteiras que no fundo simbolizam categoricamente um estilhaço a ranger dentes e músculos. Os ossos já nem falo mais. Sustentam um corpo que não ostenta. Suporta.

Queria mesmo era ter asas. Sair da superfície. Deixar que meus pés esqueçam os calos provocados pelas pedras da estrada. Mas sempre estou atrelada ao chão. Minhas asas são outras. desconheço a capacidade de voar com asas. Fujo com o pensamento. Inconstante e improvável. Temido por muitos, amado por poucos. Mesmo assim, queria saber voar. Ser borboleta tão colorida quanto meu luto.

Sou um agrupamento de sombras, de sobras, de luz, de raios solares. Tenho o cheiro da primavera e algum tom seco das flores do outono. Talvez sejam meus olhos. Eternamente tristes e curiosos. Sou toda uma trama natural. Não comporto enquadramentos. Respiro uma liberdade que não se alcança. Talvez porque não exista. E inventá-la é uma forma de me livrar das tantas prisões.

Não me importo. Atrelo-me a alguns significados. As palavras são minhas irmãs mais velhas, tenho-as como referência. Defino-me na difícil trama. Esfacelo-me. Entrelaço-me. Para que do chão o salto seja menos razo. que vasculhe profundezas ainda não exploradas. de dentro. de fora. porque nunca seremos unilaterais. eu não. sou o plural. preciso ser múltipla, para que eu possa ser única!

Avanço em direção ao inverno, na alma alguns resquícios do outono incrível que te conheci, nos gestos, ainda restos do que inveitei para ti. Que o frio me liberte do verão sinuoso que vivemos juntos. Porque também sou liberdade. Não me cabem prisões. só as noturnas.

Sempre serei esse emaranhado de sensações e palavras. Alguma música também, que sopre em ouvidos distintos qualquer nota funda de saudade. Porque há em mim também certa melancolia. Mesmo que calma, estarei sempre vinculada ao acidente. Eu, você, nós. Sempre. costuro-me em ti com esses extremos e assombros. aceitas?

(no som "lástima", incenso de flores silvestres e na boca um certo pavor. com amarguras)

Das meninas


No som "Luíza"
e um incenso de Rosa.


Elas sabiam o valor daquele instante. Seria um em tão pouco tempo que teriam juntas. Elas conheciam portanto o valor do segundo. Suspiravam afoitas tantas saudades e lembranças a encher a boca de um gosto doce e firme. Encorpado. Teriam poucas horas para decifrar a palavra que jamais seria dita. O olhar que por vezes se perdia no infinito que nascia na janela. As mãos silentes e perigosas queriam ousar por caminhos que desconheciam.

Elas sabiam por quanto tempo estariam alí. Sentadas num abraço. Envolvidas por almas completamente perdidas. Queriam encontrar qualquer desculpa para que aquele momento jamais terminasse. Se queriam. Isso deveria ser o sufiente para que dali a pouco não acontecesse o abandono. Mas não era. Necessidade não era motivo. Tentavam se refazer da perda. Embreagavam-se de medo e amor. Porque já havia passado a paixão. Tentavam um amor manso. Mas selvagens jamais se renderiam.

Elas. Duas. Como se em uma vivessem desesperadas. Queriam como criança a subserviência de um beijo demorado. Do prazer prolongado. A súplica era tão imunda como a vontade. Elas sabiam. Perdiam-se numa mistura que não se descreve a olhos tão despreocupados como os nossos. Nunca poderíamos advinhar. Entender. Sempre seriam incompreendidas. Porque dentro delas faltava essa mansidão para que se entendessem também. Era tarde para que tentassem. Rendiam-se. E isso bastava para que se perdessem de novo. Para que seus corpos, dilatados e quentes, servissem de cama, de escora uma para outra. Para que suas razões fossem esquecidas e somente o sentimento prevalecesse. Somente o desejo que as movia.

Elas eram desconhecidas. Despudoradas. Atracavam-se numa guerra que mais parecia interna. De egos. De fomes. De línguas. Viviam assim, sem saber por quanto tempo. Mas viviam. De certo modo, peculiar a olhos alheios e curiosos. Não temiam senão a elas mesmas.

(Elas. Elas que num fim de manhã adoçaram a minha observação saliente. Elas, que de tanto amor e medo, sujaram minhas páginas de sangue. Elas, que destemidas e infinitamente desconhecidas, causaram surdo impacto no meu silêncio tão surdo e na minha fala tão cortante.)

Meninas, vejo ainda muito caminho....Sejam felizes!

terça-feira, 6 de abril de 2010

Da organização


No som "Amanhã"
e um incenso de maçã(para relaxar!)
"Deixem as coisas assim como elas estão. Essa organização pequena, de miudezas me faz dona desse espaço que vivo. Deixem que a como está. Do lado de fora pode haver quem queira sentar. As fotografias são memórias de um tempo muito presente. Ontem. Porque tudo está alí tão evidente que ainda imprime cheiro e gosto.
Deixem o sofá a espera de um corpo que logo irá deitar. Devaneios ou descanso. Tesão ou ternura. Depende da companhia ou da falta dela. A solidão por vezes me excita. O silêncio me empresta certa música. Deixem portanto a janela aberta, a noite será observada por olhos atentos. Com olhos de fome.
Deixem que os papéis sejam levados pelo vento. Que a claridade extrapole as cortinas e que de leve o sol possa cintilar teu brilho no chão, palco de pés apressados e barulhentos.
(...)
Deixem os meus sonhos impressos na forma. Não alterem a divisão dos fatos. Não se iludam, nada está tão evidente quanto parece. Não tenho fôlego para sustentar verdades tão escancaradas. Tenho certas reservas. Sou tantas que as vezes esqueço de qual verdade represento.
Por isso deixem minha organização mínima, nesses mesmos lugares, mesmo que as sensações mudem, porque em casa, nessa perfeita ordem, mesmo sendo muitas, preciso da afirmação de um lar. De um certo afeto. de um certo aconchego. para nunca de fato me perder.
(na boca, certa amargura, no ar, certa ternura)
Não entenda, apenas sinta!

domingo, 4 de abril de 2010

Da despedida

No som qualquer coisa que doesse o coração
e um incenso de Saudade.(porque no fundo era tudo que sentiria dela)

"...Os cabelos perfumados ao vento era a melhor lembraça dela. Aquela música que tocava em seu carro também. A flor que sempre atrás da orelha direita, deixava no ar sempre aquela imagem da menina que em dias de chuva pensava em andar pelas ruas descalça e feliz.

O sorriso, que antes de ver pela ultima vez trazia um sol brilhante, hoje, antes de sair deixou a estranha sensação de ter sido o último. Os olhos marejavam. O coração parecia uma onda. As palavras eram barcos sem porto. Ela sempre chegava para iluminar. Mesmo que sua chama fosse escondida por debaixo de algumas incertezas. Mesmo que em escuridão estivesse sua palavra quase morta. Seu silêncio era capaz iluminar. de incendiar. porque mesmo falando pouco, seus olhos eram janelas escancaradas da sua alma.

Quando caminhava parecia voar. e sempre dizia que um dia estaria longe. que um dia precisaria partir. precisava brincar de construir o futuro. mesmo que este futuro fosse estranho e impreciso. Sempre pensei que para construir o futuro era preciso ir vivendo, jogando. descobrindo as peças principais. mas não, ela, a menina dos cabelos de sol, deixou-me esta lição. o futuro é apenas a construção do nosso hoje, porque ontem já pertence a um passado insondável. O agora é o futuro e eu sempre me esqueço disso. por isso sinto saudade, por isso sinto tanto.

ela fechou os olhos e ofereceu seus lábios. estava vestida de um vermeho escarlate. carregava uma bolsa e um livro. as sandálias eram as que compramos juntas em algum verão anterior. o engraçado é que ainda era verão. (eu não sabia quanto tempo havia então se passado entre nós.) Enconstada na parede suspirou porque tinha pressa. Uma pressa que sempre existiu em suas ações. em seu sentir. fiz um breve carinho em seu rosto. ajeitei a flor dos seus cabelos. alí parecia que o tempo passava rápido demais. apesar de não conhecer o tempo dela. e ter esquecido o meu.

O carro lá fora esperava por um destino que seria traçado em breve.

-então isso é o fim?

-é apenas isso. a nossa última despedida.

de repente o carro já não estava lá fora. e da janela pude ver apenas o sorriso que ficaria em mim até que começasse tudo de novo.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Das feridas



No som "Insensatez"

e o cheiro da dor que exala dos poros mais surdos.



"eu me perdi. não sei onde coloco todo o amor que sinto. eu me perdi de amor. me perdi na dimensão profunda do seu verde-azul. esqueci de me preservar das dores. quis amar sem qualquer reserva. amei. amo. por isso me perdi. por não ter tido coragem de me esconder um pouco, de deixar uma das malas prontas e partir antes que fosse tarde demais.

eu me perdi e meus pés não sabem mais caminhar como antes, meus olhos insistem em olhar para trás.

minha palavra ainda derrama declarações de um amor que já não domino. sinto tão desesperadamente a alterar o ritimo do meu coração.

estou terrivelmente sufocada de dor e tristeza. de saudade, de lembranças; estou terrivelmente mutilada. espelhos se partem. estou procurando por mim. estou em estilhaços. os assombros são maiores que antes.os estragos também.

continuo perdida. o voo dessa vez alça estar longe, terrivelmente longe do porto. estou transbordando nada, o vazio dilacera. a mudez sobressai a palavra que parece não respirar mais, a cegueira;enfim.

o estágio anterior ao amor. a letargia. a falta de chão. de pão; da fome. estou definitivamente perdida. não alcanço tua chegada e vejo que de mim você já partiu. o último trem partiu, levou junto algumas roupas coloridas, alguns maços de cigarro, alguma palavra. muitos sorrisos, levou a esperança.

talvez na tentativa de me salvar eu realmente me machuque. acaba que no fundo você tem razão. acaba que no fundo só existe certo sufocamento, e da minha pele o cheiro mais evidente ainda é o de sangue pisado. De gotas de lágrimas anteriores. o ferimento ainda arde, talvez isso nos acopla a certa lembraça de um dia realmente ter existido, vivo; res-pi-ran-do! Não sei. A imprecisão faz de mim certo não saber das coisas todas, não ingenuidade. que é outra coisa. é estar limpa. e eu já me sujei demais.
talvez as asas na hora da queda não se abram, e o tombo não seja tão razante, estou ainda na superfície. a profundeza foi alterada pelo estado da falta. continuo perdida. desconheço os caminhos, respondo apenas por minhas escolhas. e pelo amor, que me escolheu assim tão despreparada e desumana. Não encontro mais palavra. o verbo foi se deitar. a ação do sujeito está impedida por um adverbio de tempo. ou de lugar. ou de modo. seja como for, a única tentativa era adjetivar a dor, mas ela me deixou sem qualquer argumento.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

92 dias



Eu te amo há noventa e dois dias,

e parece que foi a tanto tempo, que nem acredito!


Ps: obrigado por me fazer te amar cada dia mais...e que esses dias sejam infinitos a não poder contar.

Das minhas vontades

No som "Lembra de mim"
e um incenso de Sândalo (para enfeitiçar!)

"Beijo na boca bem de mansinho. Abraços aconchegante. Algumas declarações na madrugada ou no meio da tarde que venham falar do amor safado que sentimos.
De domingos inteiros na praça. De sorvete e pipoca, de algodão doce e mais beijos, no pescoço, na nuca, nas mãos, na testa.
De sábados engraçados com amigos em volta da mesa, de noites de afeto, de carinho, de vigília, de segredo.
Semanas sem rotinas, ainda que o cotidiano nos sejam válvula propolsora da realidade. Que inventemos qualquer sorriso diferente todos os dias.
Que as crianças durmam cedo, que façamos amor na varanda, no chão da sala, na rua, debaixo de um céu de estrelas. Que as crianças não durmam e que com elas aprendamos a namorar de longe, com os olhos e a fome.
Filmes embaixo do edredon, cafés em alta noite, brigadeiro na panela, carinhos que não terminam. Final de tarde uma caminhada longa. No chuveiro cheiro de erva-tão-doce a misturar-se a teus beijos e carícias. Nos livros, bilhetes que me façam lembrar da paixão, nos olhares, o amor a transbordar da alma tão encantada.
Palavras doces. Palavras a serem ditas no escuro. Algum arrepio no meio do trabalho;algum pedido atrevido via torpedo. Alguma resposta ao pé do ouvido. Muitas mordidas, alguns dedos sobre a pele a-rre-pi-an-do! Muitas saudades mesmo estando perto, do lado.
Que nas horas intranquilas o amor GRITE, que nas horas de paz o amor REINE. Que nas horas de dor o amor SUPERE.
Muito mais amor...porque é disso que minha alma é feita.

Eu te amo!