quarta-feira, 16 de junho de 2010

Do ontem

"De ontem em diante deixei de mascar aquele chiclete rosa que vivia escondendo na bolsa. Deixei de tirar os sapaos na entrada e de deitar no chão espalhando meus papéis escritos pela sala. Deixei também de ligar a tv para me servir de companhia. era evidente a certeza da minha solidão acompanhada.
De ontem em diante deixei de pensar em coisas que só impressiona os filósofos, resolvi viver antes que fosse tarde. Deixei de ligar e deixar recados. Não me atrelo ao desespero do tocar do telefone. Resolvi ligar mais para mim, ouvir mais minhas canções. Pensei melhor e percebi que era mais fácil dançar sozinha.
De ontem em diante deixei que minha pele falasse. Transpirasse qualquer desejo. Cansei de viver os prazeres sozinha. quero a divisão exata que mereço. Deixei de pinar os lábios de um vermelho vivo para que de um carmim naural ele se colora na hora do beijo.Deixei de vestir o luto para enfeitar a manhã com cores infinitas do arco-íris.
De ontem em diante começei a escrever menos. Falar mais o que penso, o que sinto. Deixei de sofrer por tudo que acreditava. Sorrir ainda é o melhor remédio para as dores. Deixei alguns bordados para trás. Resolvi pintar, lambuzar com as cores da minha alma. é mais pertinente o envolvimento. Deixei de ser tão resumida, quero a sensação confusa dos discursos longos.
De ontem em diante deixei de perder. Resolvi por acidente ganhar um pouco, mesmo que ganhos improváveis. Resolvi investir no risco. No sonho. Deixei de amar com a cabeça. arrisco-me num salto para dentro do peito. Amar sem qualquer garantia, de ontem em diante, resolvi que não queria mais nenhuma certeza. queria apenas o risco, o acidente truculento da vida. pura. em seu estágio bruto.
De ontem em diante esqueci no armário todas as velhas camisas que me faziam mais séria, mais educada. quero apenas o devaneio. a confusão das sensações a engalfinharem meu estômago. Deixei de apreciar as temperaturas amenas, meu coração tem febre. Deixei também as pessoas e os lugares que de qualquer modo nunca me fizeram bem. deixei-lhes um bilhete, uma desculpa. Precisava de libertar das idéias mornas. atirei-me num fogo dionisíaco. queima minha alma desde ontem, então.
De ontem em diante, passado e presente serão diferentes, escreverei outra história de amor, outro romance, terei outro cais, outro porto por onde escoarei minhas mágoas. Deixei os livros, as fotografias, os desenhos que rabisquei em cadernos velhos de sentimentos e pecados. Abanonei a solidão mofada nas minhas mãos. Arranquei os sapatos, tirei os anéis. Resolvi andar sem qualquer estrada, caminho, destino. Acho que descobri desertos em mim, de flores imensamente coloridas. de sol tão quente e inverno tão rigoroso. Era preciso que eu tomasse essa decisão. Abandonar tudo aquilo que eu pensava ser vida, e na verdade era um estado vegetativo.
De ontem em diante, nasci para um novo mundo. sem qualquer amargura, sem qualquer mágoa ou saudade. Deixei o passado para que o tempo colhesse seus frutos. O futuro visto no ontem me impressiona. Serei feliz. Uma felicidade quase clandestina. porque somos todos clandestinos quando decidimos por opção viver como se não houvesse mais nada, apenas este instante vivo. Amanhã talvez seja tarde demais. e não quero ser vítima dessa condenação.
De ontem em diante resolvi que viveria a medida que morresse. para que na morte de qualquer forma eu viva."

2 comentários:

  1. se pudessemos deixar o que não presta de ontem em diante seriamos tão mais gente

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  2. o que dizer dessa sua decisão, te conhecendo tão bem... que era provável, depois de tudo o que sua alma ja suportou... de certa forma, vejo a menina que conheci, cheia de sonhos, de desejos e borboletinhas no estômago... mais madura, mas ainda linda! vc é maravilhosa, tem tudo pra ser a pessoa mais feliz do mundo... e essa sua decisão te levará ao portal de início para essa felicidade!!! amo vc, minha flor... de alma... bjos!

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