quarta-feira, 21 de julho de 2010

Beatriz


"Faz de conta que Beatriz não tinha angústias. Faz de conta que ela sabia sorrir desatando o nó da saudade e que não esperava anciosa a chegada dele.
Faz de conta que Beatriz não tinha tristezas e que suas mágoas foram transformadas em rios rasos de águas prateadas e que o esquecimento era desculpa para um consolo além-flores que ela plantava no canteiro lateral da casa.
Faz de conta que ela ainda era menina e que sua infância de balas e doces nascia num deserto de poesia e seca. Que seus olhos nãõ guardavam imagens de despedidas e que o brilho fosco deles era apenas porque era inverno e o sol não podia cintilá-los tão profundamente como na primavera.
Faz de conta que Beatriz sabia lidar com as palavras e escrevia cartas de amor aconchegantes, e que seu silêncio era apenas uma pausa demorada e nunca o fim de um começo inesperado. Faz de conta que seu amor não sofria abalos nem fome. Que o vazio que ora a devorava ora a vomitava para fora de uma existência humana era apenas a reticência que jamais terá significado preciso nos poemas ou nas fábulas.
Faz de conta que para Beatriz fazer de conta era mais fácil, mais sutíl, mais inteligente que deixar que a realidade falasse por seus gestos solitários e secretos, faz de conta que para ela fingir era menos doloroso que ser. E por isso continuar fazendo de conta era mais emocionante e proveitoso que viver de fato sem qualquer máscara. sem qualquer mentira.
Talvez por isso então é que todos os dias muitas vezes por dia ela começava a pensar : 'era uma vez...' e tecia sua fala e sua pele, seus sonhos e vivências, sua fome e seus dias segundo a fantasia que alimentava a sua única verdade; a realidade crua."

6 comentários:

  1. faz de conta que os sonhos Beatriz tinham uma nudez incontestável e que seu desejo de não mais ser era permanente.
    bjs

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  2. Olha,
    Será que ela é moça?
    Será que ela é triste?
    Será que é o contrário?
    Será que é pintura o rosto da atriz?
    Se ela dança no sétimo céu
    Se ela acredita que é outro país
    E se ela só decora o seu papel
    E se eu pudesse entrar na sua vida

    Olha,
    Será que é de louça?
    Será que é de éter?
    Será que é loucura?
    Será que é cenário a casa da atriz?
    Se ela mora num arranha-céu
    E se as paredes são feitas de giz
    E se ela chora num quarto de hotel
    E se eu pudesse entrar na sua vida

    Sim, me leva para sempre Beatriz
    Me ensina a não andar com os pés no chão
    Para sempre é sempre por um triz
    Ah, diz quantos desastres tem na minha mão
    Diz se é perigoso a gente ser feliz

    Olha,
    Será que é uma estrela?
    Será que é mentira?
    Será que é comédia?
    Será que é divina a vida da atriz?
    Se ela um dia despencar do céu
    E se os pagantes exigirem bis
    E se um arcanjo passar o chapéu
    E se eu pudesse entrar na sua vida...


    assim que terminei de ler, só veio esta canção na mente...

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  3. lindo... saudades... ando sem tempo pra gente conversar... mas, te amo, viu... bjbjbj

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  4. Em "conto", conta a estória e cria mais uma personagem de faz-de-conta, um encanto!

    PS.:Obrigado pela visita nas entrelínguas, não tenha pudor de entrar naquele bordel semântico, só fará o que quizeres, quem faz a interpretação é tu... Está convidada à comparecer ao "Grupal" beber um vinho, sem compromisso! =)

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  5. O poder de criar e mudar o rumo de sua própria história. Quantas vezes não mudamos nosso roteiro e a vida passa a ter uma cor diferente. Beatriz se cria, essa liberdade é uma herança dada aos seres imaginativos.

    Lindo

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