quarta-feira, 28 de outubro de 2009

**Noite**


Acordei. Palavras metem-se na minha cabeça. As falas não repetem. São ecos de um sonho ruim. Tento levantar, as pernas estão enterradas na areia movediça da consciência. Não tenho passos, os caminhos noturnos soam como pedido. Tenho medo, pressa. Mas é preciso arriscar uma saída. Acordei. E não tive tempo de digerir os seus sussurros na noite anterior, sua fala delirante, seus desejos sombrios. Não me contenho e acendo outro cigarro, o ópio liberta. Mas minhas asas estão presas. O que posso senão querer voar? A liberdade está em mim atrelada a um estado de consciência. Portanto, asas desmancham a ilusão do vôo. E assim vou longe, encontro-te na esquina do meu querer, onde descalço esperas por um beijo quieto, doce, algoz. Torturas minha fala elevando sentidos que nem posso sentir, a superficialidade do gesto me obriga a sair, tentando esquecer que tudo soa apenas como um enorme esforço de ser nada. Nosso mal é ainda querer sem esperar a hora, sem nos dar conta de que tudo precisa ser velado, como nossas vozes, dentro de um imenso silêncio de palavras. Acordei. E a noite insiste em prevalecer em mim. Os versos de um poema fazem viver em mim aquilo que conheço, mas não classifico. Apenas vivo. Numa urgência de sentir o trepidar do mundo. Calar o meu nada. Amansar as ondas do meu mar. De qualquer forma, amansar também minha loucura. Acordei. E nem mesmo posso gritar, palavras me foram roubadas, assim, existo parcialmente, engolindo aquele veneno que me exige ser inteira. Evito sentir aquele cheiro de primavera, mas as flores nascem arrebentando os passeios públicos. Os passeios onde brotam as margaridas e os amores. Evito respirar, mas o ar frio da madrugada sufoca meu esforço e eu sobrevivo. Tenho medo, mas o silêncio estonteante dos teus olhos glorificam a minha paz.

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