terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O telefone*


O telefone tocou numa noite mais fria e estrelada que ontem. O cigarro estava aceso entre os dedos e a palavra amargava na garganta um fim sem começo. O baton já desbotado na boca fez que a língua o devorasse ainda mais depressa que antes.
A voz tão brisa do mar clamava por um amor que já havia nascido há tanto tempo que não me dava conta. O choro, solfejado no céu da boca fazia com que eu me sentisse tão cruel e injusta como nunca pude antes.
O telefone tocou naquela noite de estrelas cadentes. Os pedidos entalados, os recados esquecidos, as verdades inteiras, tudo começou a desmoronar sobre o tapete da sala que ainda cheira o desejo derramado dias atrás. A dor evidente, outro cigarro aceso, outra palavra de afeto. Desejei apenas um torrão de açúcar mascavo, mascaria como chiclete para que se não adoçasse a hora pelo menos me devolveria o seu gosto. Assim te recebo em mim. Tão doce, tão demente. Tão evidente. Tão pulsante que não pude deixar de alimentar ou frustrar mais um não dentro de mim. No dicionário verborrágico do amor, desse amor tão delicado e desmedido, não cabe qualquer negação. Estaria contrariando a vida. A ordem. O progresso.
Ainda sim o telefone tocou. Palavras surdas soldavam o coração palpitante. A declaração empurrava ainda mais para o precipício essa corrente de afeto que se fez de açúcar em nós. A diferença entre tantos outros é que o salto é duplo. Estamos juntos. Ligados seja como for, para onde for. Estamos condenados. E condenação, esta redenção, juramos juntos. Ainda que o silêncio de um gemido tenha sufocado a palavra não entendida.
O telefone tocou. No meio da noite escura quanto meus olhos ainda buscavam os seus atrás da porta. A espreitar-me pela janela ainda aberta a tentativa de um golpe. De uma farsa. Sua fala tão quente a me fazer depois de um tempo estar nua. Sempre estou. Sempre reflexo do seu avesso. Sempre horas a fio nos afastando e presentes tão evidentes nos tornando um. Eu ainda não esqueci todas as promessas. Todas as juras. O amor tem dessas peças; é primordialmente um orador. E eu me derramo na pauta de seu dircurso tão violento e surdo.
O telefone tocou e eu chorei por horas. E tentei negar alguma coisa que já passou há muito apenas de uma afirmativa.

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