sexta-feira, 7 de maio de 2010

Carta ao Tom


Querido amigo,


Ando sem coragem para dizer a palavra mais humana. Estou com medo de acertar qualquer coração apaixonado. Resguardo-me na intensidade das horas, carregando um silêncio sem fim. Engolindo pedras que ainda não dissolveram dentro de mim.

Sinto-me repleta de tudo e nada. Numa mistura a emudecer e a provocar febres. Minhas crises tem cido agudas e a persistência do vazio anda me enlouquecendo.

Seus hibiscos continuam florindo, há uma certa naturalidade na vida dessas flores. Alimentam-se de lágrimas e são cada vez mais bonitos e vermelhos. Parecem sangrar comigo. Mas de uma maneira muito mais delicada. Muito mais humana.

Esperei por dias sua chegada, seu telefonema, alguma carta, mas, entendo que a vida não tem brincado de infância contigo também. Resta-me lembrar das tardes que dividíamos o algodão doce na praça e os intermináveis sorvetes na rua do meio.

A sua lembrança miúda me faz pensar em como somos inesquecíveis...em como deixamos retalhos, remendos em outras pessoas. Bordamos com cada um o desenho que achamos mais sincero. Embora nem sempre somos encarados como verdadeiros.

A saudade manda dizer que está por um fio. Que anda corroendo por fora. Já que por dentro, valsa tão triste a se perder de vista, sem qualquer sinal de calmaria. Os dedos já escorrecam com dificuldade. Escrever-te é uma tortura imensa. Apelo para a distração, deixo que a caneta escorregue. Que escreva sozinha. No pulso do impulso. Porque não posso.

Precisa vir logo. O jardim sente imensa falta de suas mãos poéticas, a acariciar suas folhas e flores. E meu coração sangra por qualquer nota desarmônica que sua intensidade arranca do piano. Ele também está mudo. Não posso comprometê-lo com minha falta de dom.

Queria sair caminhando sem qualquer rumo. Ouvir qualquer instinto, caminhar por qualquer ponte, estrada. Parar em qualquer esquina, tomar qualquer coisa que fosse doce. Molhar a boca de palavras tropicais. Para que no inverno elas possam ser meu alento. meu acalanto.

Mas continuo dançando com as horas. Esperando qualquer impulso. Qualquer sinal. Continuo intacta aos abalos que tremem minha alma e me desnudam.


Ps: espero-te para qualquer acidente.

Com enorme carinho.

M.

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