quinta-feira, 18 de março de 2010

Da fome*


No som o silêncio da pausa

e um incenso de Sândalo


"eu não sei como temperar a vida. Estou sempre errando a mão. Hora para mais, hora para menos.Nunca sei o exato tempo do cozimento. e as vezes carrego demais no sal.

eu não sei decifrar as receitas. as fórmulas parecem escritas em língua tão estranha a não caber deciframento, então advinho. Acabo criando uma poção mágica. Acabo inventando um sabor. desassocegado.

eu queria combinar as ervas, fazer um bolo de flores, tomar um chá violeta, fazer biscoitos de chuva, mas minhas mãos perpetuam outros lugares, são de outras funções. Desconheço a habilidade de transformar. Sei apenas tecer. O que também não é ruim. - Nunca sentirei frio.

eu não sei se me preparo um café, se adoçarei com as mágoas ou com os sorrisos, se tomarei gelado, depois de deixá-lo horas esperando o gole, ou se borbulhante engulirei sem escrúpulos, para ver se me acalma, ou queima.

queria saber misturar os sabores, deixá-los mais vivos, mais parecidos comigo, um certo amargo doce, que vai dissolvendo na língua/lâmina. Mas sou de outras competências. Aprendi rasgar palavras, combiná-las, deformá-las, desfolhar sentimentos embrulhados num papel manteiga. Esqueço-me que isso faz doer. Mas é isso que aprendi. -Nunca estarei muda.

a fome, a vontade nunca me foi tão especialmente farta, mesmo assim, não posso, não sei inventar comida. só fome. talvez por medo de me saciar. e calar não só palavra, mas ouvidos e dentes.

estou perdida. talvez eu coloque tudo em algum caldeirão e salpique pimenta, sendo isto, tudo!"

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