quarta-feira, 21 de abril de 2010

Para você, depois da chuva

Não me molho de amor. Há em mim um breve despertar das coisas. Não há flores no meu jardim. Existem pedras. Pedras coloridas e sapatos. Os pés estão descalços para caminhar longe dentro da liberdade. Mas não me molho de amor. Desse amor bastardo que forjas sem que eu entenda o motivo. Não posso. Não devo. Mas quero. Aquele querer violento de violar as regras, os passos, o destino. Ainda sim, não me molho de amor. São de sal minhas lágrimas inférteis. Brotam rancor, erva daninha, qualquer maldição infernal nos meus dias.Então não me peça para derramar águas puras no teu amor, naquele amor que me oferece nua. Em mim o amor é sólido, palavras mastigadas. Não adianta a exuberante fadiga dos cheiros. Sou tato. A tatear pedaços de vírgulas que cabem em ti e em mim, perto ou ao longe. Não importa. Só não me peça que te traga aquela chuva. Afogaria a minha dor antes que fosse tarde e a lama sujaria minhas palavras. Que tanto sou. Que tanto ocupa espaço.Flores não nascem no meu jardim. Nunca foram rosas abrindo pétalas, meus amores. Espinhos e sombras. Como aquela noite escura da tua chegada. Então, não me peça para molhar nem mesmo os pés de amor. Sou feita de barro. Desmancho. Desato. Morro.Não me molho de amor, apesar de me entregar assim, imunda, seca, rompendo desertos de desérticas almas. E assim tu me aceitas. Porque senão não colheria minhas palavras ainda verdes e os sentimentos maduros demais. Mesmo assim, quando estou do avesso, rolando dentro dessa imensa margem que sou, tu estende os braços numa ânsia, numa fome, numa sede de palavras, que me revigora, me envaidece.Então não me peça para que eu me molhe de amor. Prefiro que me beba.

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